Balão de São João

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Ao iniciar o mês de junho, quero compartilhar com vocês, leitores de minha coluna, aqui no Fato Paulista, um ocorrido em uma festa junina tradicional de minha família. A princípio parece história de pescador, mas no final você vai entender como um fenômeno meteorológico de Itaquera contribuiu para o ocorrido.
Balão de São João
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Meu pai era Antônio, meus tios João e Pedro, eu nasci em 26 de junho e por estes e muitos outros motivos o mês de junho tornou-se muito importante para minha família.

Lembro desde pequenino das festas juninas organizadas pela minha mãe, onde toda família, tanto do lado do meu pai como do lado da minha mãe, comparecia, o que só se repetia nos velórios.

Quatro fatores eram marcantes nestas festas:

Balão de São João

A comida: pipoca, batata-doce assada, pé de moleque, cuscuz, canjica, pinhão cozido, bolo de fubá cremoso, muito quentão e vinho quente, além dos refrigerantes para a garotada.

A fogueira que meu pai tinha a honra de acender pontualmente às oito horas da noite, montada a base de galhos e toras de árvores secas que eu e meus amigos do bairro juntávamos durante todo o ano e cujas chamas eram avistadas desde lá do pé do morro. À meia-noite em ponto, Chico Torto, já pra lá de Bagdá, tirava os sapatos e descalço, andava sobre as brasas acesas.

O terço rezado junto ao mastro com o estandarte dos três santos (Pedro, Antônio e João) normalmente puxado pelo Juca da Dona Olâmpia, considerado o “maió rezadô” da redondeza. Terço que se prestava tinha que ser rezado pelo Juca.

Para mim, o maior destaque destas festas eram os balões de papel de seda, originalmente feitos pelo meu irmão mais velho, o Dirceu, e que passaram mais tarde a serem feitos por mim.

Meu irmão fazia diversos tipos de balão: caixa, almofada, mexerica, charuto, e, seu preferido, o pião de bico torto de cinco gomos. Este tipo de balão é muito fácil de ser montado e normalmente sobe bem e permanece no alto por muito tempo em função de sua aerodinâmica e estabilidade de sustentação.

Naquela noite de 24 de junho, festa de São João, o frio em Itaquerra estava quase que insuportável, beirava os oito graus, o céu estava limpo de um azul profundo e salpicado de estrelas e balões de todos os tipos e cores.

Nossa festa estava a toda e já havíamos soltado uns dez balões. Todos subiram e lentamente rumavam na direção da igreja do Carmo, quando um fuzuê começou, com a garotada toda em alvoroço correndo de um lugar para outro.

Lembro que meu irmão e meu tio Nine saíram em disparada do quartinho onde estavam preparando a tocha para soltar mais um balão. “Tá caindo, tá caindo, ninguém rasga, não atirem pedra”. Estava caindo um balão em nosso quintal.

Os entendidos já davam opinião: “É grande, tem mais de 40 folhas e é caixa”, outro retrucava, “Não, é um mexerica de mais ou menos 16 folhas”, e cada um ia mudando seu próprio palpite enquanto o balão ia se aproximando do chão, até que o mesmo deu uma chumbada (perda rápida de altitude do balão) e foi pego pelo Dirceu.

Até aqui nada de mais, numa noite de céu com tantos balões era normal que um deles caísse em nosso quintal, que era muito grande.

Surpresa foi quando os nossos baloeiros, comandados pelo meu irmão, identificaram de imediato que o balão que acabavam de pegar foi o segundo balão solto por eles mesmos no início da festa três horas atrás. Com certeza era um pião de bico torto de 15 folhas, marca registrada de nossa confecção.

Durante o resto da festa, o tema das conversas girava em torno deste fato. Qual seria a explicação para um balão depois de três horas no ar cair no mesmo lugar de onde fora solto?

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Alguns comentavam que o Dirceu amarrara o balão com uma linha de pesca e o puxou de volta quando este estava perdendo a força. Esta versão não foi a vitoriosa, pois todos afirmavam terem visto os balões soltos em nossa festa sumirem no céu lá para as bandas da igreja, que ficava há mais de um quilômetro da nossa casa.

Por fim, seu Eduardo, um velho muito conhecido na Vila Corberi e por que não dizer em Itaquera, por ser um dos grandes especialistas em balões, quando ele próprio não estava balão, o que era muito raro, deu uma explicação que acabou sendo aceita pela grande maioria, até mesmo porque não conseguiram outra.

Segundo seu Eduardo, o maior “catadô” de balão de que tenho notícia e que passava noites e noites no campo do Falcão espreitando os balões em suas trajetórias, na região de Itaquera ocorre algo muito interessante com os ventos no mês de junho. Os ventos de baixo sopram na direção sudeste para o nordeste, ou seja, do Morro do Falcão para o Morro da Igreja e os ventos de cima, aqueles que passam a mais de quinhentos metros de altura, sopram do nordeste para o sudeste, ou seja, da igreja para nossa casa.

Concluindo o raciocínio do seu Eduardo, o balão foi levado pelos ventos de baixo lá para trás da igreja e, quando atingiu a altura dos ventos de cima, foi carregado de volta, caindo em nossa casa, pois o bom filho a casa torna.

Continuei mantendo a tradição de nossa família até pouco tempo atrás, e meus filhos chegaram a participar de várias destas festas e me ajudaram a soltar muitos balões, porém algo deve ter mudado, pois grande parte dos balões que eu soltava subiam na direção sul e para meu desespero logo no fim do quintal nesta direção havia um Calipeiro onde a maioria dos balões ficava enroscada e acabavam queimando.

Ou seu Eduardo estava errado, ou os bons ventos de Itaquera mudaram de direção.

Hoje existe uma maior conscientização do perigo causado pelos Balões de São João, coisa que não havia naquela época. Atualmente sou contra o ato de soltar balões e tenho constantemente divulgado o perigo desta prática.

Não soltem balões.

Marcos Falcon

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Itaquera

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