A Copa de 70 vista por dois amigos de ITAQUERA

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Após a derrota da Seleção em 66 na Inglaterra, ficou claro para nós garotos, com 15 anos na época, que era o fim de uma geração bicampeã mundial de futebol.
Copa
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Para nós que vivíamos na periferia de São Paulo, em Itaquera, que dispúnhamos de pouca ou quase nenhuma informação diferente daquelas que o governo Militar nos permitia ter acesso, ficaram marcados os vilões Eusébio, Coluna – o caçador de Pelé – e os portugueses em geral.

Os anos que antecediam a próxima copa de 1970, anunciada para o México, foram anos de grandes mudanças em nossas vidas de adolescentes. Giba, meu amigo e parceiro de estripulias, começou a trabalhar na gráfica Jaraguá para ajudar nas despesas familiares. Eu fui conhecer um mundo diferente ao ingressar na TFP (Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade) e acabei por me afastar dos amigos e, por ironia, da própria família.

Parece que as copas eram marcos do nosso calendário oficial e, passados três anos, já em 1969, tem início o frenesi pela Seleção Nacional, que inicia sua participação nos jogos eliminatórios da América do Sul.

Já não estou mais na TFP e busco o reencontro e o reforço dos laços de amizade com meu parceiro e irmão, que ficou deixado de lado nos últimos anos.  Junto a ele encontro apoio para ser reinserido à realidade de nosso mundo, do qual fiquei alienado por detrás dos óculos de uma sociedade política religiosa de extrema-direita.

Giba divide comigo seus amigos, espaços e seu próprio mundo. Sou convidado a participar de seu time de futebol de salão, a Equipe PÔ. Sou apresentado aos bailinhos da Sociedade Amigos da Vila Corberi, do salão da igreja e do Abafadinho. Também sou introduzido ao parque de diversões, a quermesse, a Jovem Guarda e as músicas de Roberto Carlos.

Juntando suas economias, Giba comprou um rádio, gravador e uma vitrola “Batuque” que eram as ferramentas de nossa principal diversão, ouvir música e organizar os bailinhos nas casas dos amigos.

A seleção nacional de futebol passou como um furacão em seus jogos eliminatórios, goleando quase todos os adversários, tanto nos jogos de ida como nos jogos aqui no Brasil, apenas teve dificuldade em vencer o Paraguai no Maracanã. Um a zero magro com gol de placa de Pelé, aos 23 do segundo tempo, no excelente goleiro Aguilera que estava pegando até pensamento naquele dia.

A seleção comandada por Saldanha, que ficou intitulada como as Feras do Saldanha, era basicamente o time do Santos, enxertado com alguns outros craques do eixo Rio – Minas. Meu amigo e parceiro, santista nato, orgulhava-se de ter seu time como a base da Seleção, com Claudio, Carlos Alberto, Joel Camargo, Djalma Dias, Rildo, Clodoaldo, Pelé e Edu. Apenas Clodoaldo não era titular naquele momento e Piaza jogava de volante.

Foi numa sexta-feira, dia 20 de março de 1970, que meu amigo chegou do serviço com uma surpresa. Ele trazia nas mãos dois ingressos para o jogo amistoso do Brasil contra o Chile a ser realizado no domingo no Morumbi.  Eu nunca havia assistido a um jogo da Seleção e tampouco havia estado no Morumbi.

A seleção passava por mudanças com os mandos e desmandos dos militares. Caiu o técnico João Saldanha e, em seu lugar, foi convocado Zagalo. Pelé era tido como quem estava com problemas de visão e havia perdido a titularidade na Seleção. Alguns jogadores novos foram incluídos no time que já não era mais a base do Santos. Entraram Marco Antônio na lateral esquerda, Roberto Miranda de centroavante, Dirceu Lopes, Paulo Cesar Caju. Claudio havia quebrado a perna e agora os goleiros eram Felix, Ado e Leão.

Amistoso Brasil X Chile – 22/03/1970 – Morumbi, São Paulo.

Fomos de trem da Central do Brasil de Itaquera até o Braz e, de lá, pegamos uma lotação até o Morumbi.

Fiquei surpreso com o formigueiro de gente que se deslocava para o Estádio Cícero Pompeu de Toledo. Um empurra-empurra de todos os lados e, já próximo ao horário de início do jogo, nós ainda não tínhamos conseguido entrar.  Os portões foram fechados, pois a lotação já estava completa e muita gente com ingressos na mão ficou do lado de fora. Não aceitamos esta situação e decidimos entrar de qualquer forma. Contornamos o estádio e pulamos as grades de proteção perto da rampa principal.

Tão logo tocamos o chão, lá vieram dois Guardas de cassetete em riste descendo a borracha. Mostrávamos os ingressos, mas não adiantava, quando então decidimos driblar os mesmos e empreitar uma fuga, tipo pega-pega. Safamo-nos dos milicos e nos misturamos à turba que adentrava as arquibancadas.

O Morumbi estava lotado e o placar eletrônico marcava 110.000 (cento e dez mil) pagantes. Como sempre deveria haver muito mais, sei que não dava para tirar o pé do chão e recolocá-lo novamente. Não importa, valeria a pena, era a Seleção que estava em São Paulo preparando-se para a Copa do Mundo no México.

Será que Pelé jogaria?  Todos esperávamos que sim, pois no jogo anterior ele havia ficado no banco como reserva de Tostão e vestia a camisa 13.

O time entrou em campo e foi uma saraivada de fogos e bandeiras agitadas. Naquele tempo, era permitido entrar com fogos e bandeiras com mastros, todos queriam ver a seleção e não estavam lá para provocar a torcida adversária e muito menos para arrumar encrenca.

Quando a fumaça abaixou e o pessoal da minha frente sentou-se, eu comecei a procurar os jogadores e identificá-los, e meu coração batia ao ver cada um deles durante o aquecimento.

No gol estava o jovem Leão (para agradar à torcida paulista), e pelo fato de que vinha jogando muito e dividindo a preferência com Ado, outro jovem, e com Félix, o preferido de Zagalo. Lá estavam Carlos Alberto com sua elegância e Brito com sua cara de mau e barba a fazer. O parceiro do Brito naquele dia foi Joel, que estava comendo a bola no Santos e em toda a eliminatória. Pude ver, dando entrevista, o Clodoaldo, ainda garoto cabeludo, e ao lado o já calvo Gerson batia uma bola com o “Black Power” Paulo César, mais tarde Caju.

Lá estava ele, o próprio Pelé, sua majestade, em carne e osso, saltitando ao lado de Dirceu Lopes e combinando provavelmente o posicionamento dos dois em campo. Passeando pela direita do lado oposto de onde eu estava, pude ver Jairzinho, que exibia um corpo de gladiador.

Dois dos jogadores em campo eu não consegui identificar e só fiquei sabendo quem eram quando, pelo radinho de pilha, o Giba ouviu a escalação do Brasil e eles eram o lateral esquerdo Marco Antônio e o centroavante Roberto Miranda, ou Roberto Maluco, como era chamado no Rio. Tostão estava no banco.

Durante o jogo só deu Brasil, parecia que estávamos jogando com uns quatro jogadores a mais que o Chile.

Copa
O dia em que Pelé ficou no banco com a camisa 13

Placar: Brasil 5 – Chile zero.

Pelé dois, Roberto dois e Gerson um.

A cada gol, eu e meu amigo nos abraçávamos e festejávamos em delírio, fazendo parte daquela maça humana que parecia um só torcedor.

Ao voltarmos para casa, firmamos o trato de procurar fazer o máximo para assistir a todos os jogos da Copa juntos e assim foi reatado nosso interesse pela Copa do Mundo de 1970.

México – 1970

A copa foi aberta no dia 31 de maio na Cidade do México com o jogo México x União Soviética, que terminou empatado sem gols. Este jogo realizado num domingo final de tarde aqui no Brasil não despertou nossa atenção. O primeiro jogo que nos empolgou foi Peru e Bulgária no dia 2 de junho, uma terça-feira, 3 a 2 para os peruanos. O time do Peru jogou muito e após este jogo pintava como um dos favoritos. Seu elenco realmente era ótimo, um dos melhores da história deste time, que na ocasião era treinado simplesmente por nosso Didi, que tinha sido um dos melhores jogadores das copas de 58 e 62.

Lembro-me deste time que contava com jogadores do nível de Fernandez, Chumpitaz, Mifflin, Gallardo, Baylon, Sotil e Cubillas. Este jogo eu assisti em minha casa junto a meu pai em uma TV preto e branco “Zefir” que ele havia comprado em prestações na loja Clemar. O Giba somente chegou do trabalho após o término da partida, mas mesmo assim comentei com ele entusiasmado cada lance do jogo.

O Brasil estreou na quarta-feira, dia 3 de junho, em Guadalajara, contra o time da Checoslováquia.

 

Copa de 70  – Brasil X Checoslováquia

Este jogo eu assisti na casa do Sr. Gabriel Mautone, pai de meu amigo Valter, o Alemão.  Seu Gabriel foi o primeiro motorista de táxi de Itaquera, bem como o dono da primeira linha de ônibus que ligava a Colônia Japonesa ao centro de Itaquera.  Ônibus carinhosamente apelidado de Poeirinha.

Lá na casa dos Mautones todos amavam o futebol e os filhos se dividiam entre os que torciam pelo Corinthians e para o Palmeiras. Meu amigo Alemão era palmeirense, o Lito são-paulino e o resto corintiano.

O jogo foi no final da tarde e seu Gabriel convidou a turma para ver a partida com ele. A expectativa era grande tendo em vista o excelente jogo do Peru, que não morreu na véspera e sim matou o time da Bulgária.

Zagalo mudou a escalação de última hora e sacou do time Marco Antônio para a entrada de Everaldo. Saíram também Edu e Joel para a entrada de Rivelino e Clodoaldo, respectivamente, sendo Piaza recuado para a posição de quarto zagueiro. Aí nascia a formação de um dos melhores times de futebol de todos os tempos. (Félix, Carlos Alberto, Brito, Piaza, Everaldo, Clodoaldo, Gerson, Jair, Pelé, Tostão e Rivelino).

Petras marca logo no início da partida com uma falha de Felix, mas logo em seguida uma falta na entrada da área, típica para o potente chute de Rivelino. Riva bate e tudo fica igual.

Só dá Brasil em campo e aos poucos o placar foi construído. Brasil quatro, Checoslováquia um. Marcaram Petras, Rivelino, Pelé e Jairzinho dois.

Neste dia, não sei onde estava o meu amigo Giba. Acredito que o mesmo tenha ficado no serviço trabalhando, pois só fui encontrá-lo na quinta-feira à noite em sua casa, onde comentamos cada lance do jogo que nos havia deixado deslumbrados com uma atuação de gala da seleção.

Felix não foi perdoado e foi o único jogador do time criticado em nossas conversas por não inspirar segurança. Rivelino destacou-se com sua poderosa esquerda e Jairzinho, até então uma dúvida para nós, surgia como grande atacante de força e habilidade.

O jogo de estreia havia passado e a tensão por não saber como iria reagir o time também passou e a partir daquele jogo as esperanças foram retomadas e o país, por um momento, esqueceu-se da ditadura militar e foi tomado por um profundo espírito patriota, a pátria de chuteiras dos noventa milhões em ação, para frente Brasil do meu coração.

Tostão comemora o gol contra a Itália

Copa de 70  – Brasil x Inglaterra

Domingo, sete de junho, o jogo esperado por todos para ser a final da Copa e não o segundo da fase de grupo.

Giba me convidou para assistir a este jogo na casa do Carlos, que era seu colega de trabalho.

Tomamos o ônibus para Guaianazes e descemos no ponto do Coqueiral, na Parada 15 de Novembro, onde morava o Carlos, que gentilmente nos recebeu em sua casa simples onde estavam seu pai e mãe preparados para verem o jogo.

A tensão era grande e foi aumentando ao passar do jogo, bastante truncado e de certa forma violento, principalmente por parte dos brasileiros, que de início tentaram intimidar o excelente time inglês. Brito e Carlos Alberto chegavam duro nos atacantes da Rainha.

Aconteceu o lance que ficou para a estória daquela copa.  Pelé sobe e para no ar, flutuando a espera da bola que vinha cruzada alta para a área. O Rei fica um metro e meio acima de seus marcadores e desfere uma cabeçada perfeita e potente no canto inferior direito de Gordon Banks. Quase que por instinto, nos levantamos do sofá e gritamos numa só voz “gooooool”.

Banks executa a mais perfeita defesa da história das copas do mundo e, de forma inacreditável, espalma a bola para escanteio.

Pelé, incrédulo, passa as mãos sobre o rosto molhado de suor, balança a cabeça como quem não quer acreditar e retoma a batalha que iria estender-se até o final da partida.

No intervalo do jogo, a mãe do Carlos nos serve uma limonada e o pai de nosso amigo, alegando estar nervoso e tenso, vai logo tomando uma cachaça para acalmar.

Foi aos 15 minutos do segundo tempo que a genialidade de Tostão aflora e o Mineirinho de Ouro, como era carinhosamente apelidado, surge com a bola colada ao pé, driblando toda a defesa adversária de fora para dentro da área. Para e vira sem olhar, tocando para a meia-lua onde está Pelé. Sua majestade serve de primeira a Jairzinho, entrando pela direita da área grande. Jair dá um pequeno toque à frente para livrar-se do marcador e desfere um petardo na cara de Banks. Enquanto a jogada ia desenrolando-se, nós íamos simultaneamente levantando do sofá e por fim soltamos o grito que desta vez não fora recolhido. “Gooooool”.

Para fechar com chave de ouro esta partida, Felix se redimiu e justificou sua ida para a Copa ou defende uma incrível cabeçada de Lee, cara a cara, aos 42 minutos do segundo tempo.

Neste jogo, Gerson, contundido, ficou de fora e em seu lugar jogou Pulo Cesar Caju.

A memorável partida entre Brasil e Inglaterra na Copa do Mundo de 1970, no México, continuou mesmo após o apito final, conforme o árbitro israelense que comandou o jogo.

Abraham Klein, juiz da partida em que o Brasil venceu os ingleses por um x zero, disse que o apito de final de jogo não foi ouvido por nenhum jogador e, como a partida estava excelente, permitiu que ela continuasse.

“Poucas pessoas sabem, mas quando apitei o fim do jogo, os jogadores não ouviram e deixei prosseguir por alguns minutos”, disse Klein ao site do jornal israelense Maariv.

Final de jogo, saímos para comemorar. Carlos, Giba e eu fomos primeiro para a quermesse da Igreja do Carmo e depois para o parque de diversões, parando de bar em bar para tomar nosso tradicional Rabo de Galo. E assim terminou nosso domingo de glória.

Jairzinho o Furação da Copa e o artilheiro do Brasil

Copa de 70 – Brasil x Romênia

Dia 10 de junho, quarta-feira.

Time escalado com várias alterações por motivo de contusão e também pelo fato de que nosso técnico entendia que seria um jogo fácil.

Entrou Fontana no lugar de Piaza que foi para o meio no lugar de Gerson, Paulo Cesar Caju foi mantido no lugar de Rivelino e, durante a partida, entraram Marco Antonio e Edu nos lugares de Everaldo e Clodoaldo.

Este jogo eu assisti em casa com meus pais e o Giba, dispensado mais cedo do trabalho.

Como sempre, Dona Nair, minha mãe, acendeu suas velas para Nossa Senhora de Aparecida, para São Jorge e, a cada momento de dificuldade, corria para frente das estátuas dos santos e se punha de joelhos a rezar e pedir ajuda para nosso time. Ela praticamente não assistia ao jogo e, quando se dispunha a tal, ficava o tempo todo xingando os adversários e o árbitro. Meu pai, como sempre, fingia torcer pelo adversário somente para nos irritar.

O jogo foi ótimo, pois a Romênia trazia a campo grandes jogadores e um deles era o craque da Europa na época, Dumitrache. Também tinham um excelente lateral direito, um gigante de quase 2 metros de altura que, no final, foi eleito o melhor lateral da copa, um tal de Satmareanu.

Resultado: Brasil três e Romênia dois, com dois gols de Pelé e um de Jair. Dumitrache e Dembrowski marcaram para os romenos. Ainda houve um lindo gol de Pelé no primeiro tempo que foi anulado.

Com este jogo, estava terminada a primeira fase para o Brasil, que se classificou como primeiro de sua chave.

Após o jogo, fomos até o bar do Damásio para encontrar os amigos e comentar a partida, nada, além disso, pois na quinta todos tínhamos que ir trabalhar. Eu havia começado a trabalhar no Banco de Londres e entrava às 6 horas da manhã. Tinha que acordar às 3:30 para pegar o primeiro ônibus na Rua Jacu às 4:30.

Rivelino passando por Bobby Moore da Seleção Inglesa

Quarta de final

Copa de 70  – BRASIL x PERU

Dia 14 de junho, domingo.

Um domingo esperado a cada minuto no decorrer da semana. O Brasil passou voando a fase de grupo e agora teria sua primeira partida no mata x mata e justamente contra o Peru

O time comandado por nosso Didi havia nos impressionado de forma positiva em seu jogo de estreia contra a Bulgária, onde apresentou um futebol arte, bem jogado por craques como Cubillas, Perico Leon, Baylon, Galllardo, Chumpitaz e Sotil que vinham destacando-se nas partidas de seu grupo.

O jogo foi às 12 h pelo horário mexicano e aqui no Brasil às 16 horas da tarde, tarde esta que não chegava nunca. As horas não passavam e nossa empolgação aumentava a cada uma delas que o ponteiro do relógio deixava para trás.

Pela manhã joguei meu futebol defendendo o gol do Falcão do Morro e o assunto que dominava as rodas de conversa era o jogo da tarde.

Logo após o almoço, Giba foi entrando em casa trazendo na mão seu enorme rádio gravador “Nacional Cassette Recorder” e propondo para assistirmos ao jogo sem o som da TV e acompanhando as imagens pela locução do rádio, o que seria mais empolgante, segundo ele.

A macarronada da Dona Nair, naquele domingo, estava especialmente deliciosa e acompanhada de uma cerveja gelada, foi um convite para uma soneca até a hora do jogo.

Durante o cochilo de uma hora, sonhei que o Peru havia ganhado o jogo, dando um verdadeiro passeio no time brasileiro que não se encontrava em campo.  Cobillas já ia fazer mais um gol quando Giba me acordou, pois o jogo, na realidade, já iria começar.

O jogo foi um verdadeiro festival de trocas de passes no melhor estilo “toma lá da cá” protagonizado pelos dois times. Bola bem tratada desfilando pelo gramado de pé em pé, de um lado Perico Leon, Baylon. Cubillas e do outro Gerson, Pelé e Tostão. Um dos melhores jogos da copa que vale a pena ser revisto.

Rivelino abriu o placar numa jogada de Tostão aos 11 minutos e tostão aumentou aos 14 minutos numa jogada de Rivelino. Com apenas 15 minutos de jogo já estávamos ganhando com dois gols de diferença, porem o Peru não estava morto e continuava tocando a bola, principalmente pela esquerda com Gallardo aproveitando os espaços deixados pelas subidas de Carlos Alberto.

Aos 28 minutos Gallardo humilha Carlos Alberto e num drible desconcertante junto à linha de fundo pela esquerda invade a área e bate entre Félix e o poste direito de nossa meta. Falhou nosso capitão e mais uma vez nosso goleiro que ali estava apenas para fazer as defesas impossíveis e importantes.

No segundo tempo, Tostão e Jairzinho ampliam para o Brasil e Cubillas diminui para o Peru. Final, Brasil quatro e Peru dois.

Curiosidades deste jogo foram o gol de Rivelino em uma cobrança de falta ainda no primeiro tempo. Uma paulada no ângulo da meta peruano. Rubinhos nem viu a bola e o arbitro cancelou o gol alegando que havia marcado tiro livre indireto. O outro lance que marcou a partida foi o pênalti cometido pelo gentil Brito sobre Gallardo em que nosso glorioso arbitro Vital Loreaux da Bélgica marcou apenas tiro livre indireto, ou seja, cobrança em dois toques.

Sobre acompanhar as imagens da TV ao som da narração dos locutores do rádio, foi uma experiência interessante, independentemente do descasamento em som e imagem, ou seja, a imagem estava alguns segundos na frente do som, pudemos constatar que a bola não passara tão perto da meta como dizia o locutor e não fora por pouco muito pouco, nem mesmo aquela espalmada milagrosa do goleiro fora tão difícil assim. Menos realista e muito mais emocionante, a descrição da partida nas vozes de Oduvaldo Cozzi e Walter Abrahão (ambos da TV Tupi); Geraldo José de Almeida (Globo) – cujo �Olha lá, olha lá, olha lá� era sua marca registrada; e Fernando Solera (Record e Bandeirantes). Os comentaristas eram Rui Porto, João Saldanha e Leônidas da Silva.

Agora restava a semifinal e a final, apenas dois jogos para o tricampeonato que naquele momento surgia como uma possibilidade mais que concreta.

Bora “comebemorar”.

Semifinal

Brasil X Uruguai

Terça-feira, 17 de junho.

Cheguei em casa às 14 h bastante ansioso na expectativa de um grande jogo. Um clássico sul-americano que já havia decidido uma copa do mundo no passado. Na oportunidade, o Uruguai venceu o Brasil em pleno Maracanã e sagrou-se Bicampeão Mundial. Não era à toa que a Celeste olímpica impunha respeito ao time brasileiro e nós torcedores não nos arriscávamos a um prognóstico.

Iríamos assistir ao jogo em minha casa, eu, meu amigo e companheiro Giba, meus pais e nosso inseparável cachorro Thor, um Pastor Belga todo negro e de alma brasileira.

Seu Antônio, meu pai, para contrariar, estava apostando na vitória uruguaia por um a zero. No fundo, sabíamos que ele, na verdade, torcia pelo Brasil e falar que torcia contra era uma forma de amenizar sua tensão.

Minha mãe desde as primeiras horas da manhã já havia acendido suas velas para os santos e para Nossa Senhora.

Final de tarde, quase hora de início de jogo e nada de meu amigo Giba chegar, fato este que aumentava minha ansiedade.

Jogo marcado para início às 19:00, e meu amigo chegou à casa faltando apenas 5 minutos para início da partida. E todo eufórico, foi contando que iria ser titio, pois acabara de retornar do hospital Santa Marcelina, onde fora deixar sua Tia Inês, que havia entrado em trabalho de parto. Quem diria, meu amigo, seria tio-avô aos 18 anos.

O Brasil iniciou o jogo com sua maior força e todos os titulares estavam em campo. O jogo foi iniciado e nossa euforia misturada com tensão gerou um frenesi no ambiente que só foi quebrado com o gol. Gol deles e não do Brasil. Cubilla aos 19 minutos, abre o placar. Numa jogada em que Clodoaldo errou um passe e proporcionou o contra-ataque fulminante de um time que veio armado com esta estratégia, a de jogar num eventual erro do Brasil.

Minha mãe de imediato postou-se de joelhos junto a seus santos e meu pai proferiu o que não queríamos ouvir: “Vai perder. Será um novo vexame como em 1950”. Meu amigo Giba, o mais calmo e confiante de todos, colocou ordem na casa, dizendo que ainda era início de jogo e que o Brasil iria virar, pois estava jogando bem melhor.

O primeiro tempo já estava para terminar, quando aos 44 minutos, uma linda jogada iniciada por Clodoaldo tocou para Tostão e foi receber dentro da área, de onde atirou para a meta de Mazurkiewicz empatando a partida. Ufa, fomos para o intervalo mais tranquilos.

O segundo tempo foi todo do Brasil, com jogadas maravilhosas de Pelé que não foram convertidas em gols, mas ficaram para a história como as mais belas daquela copa.

Jairzinho marcou o segundo aos 30 minutos e Rivelino fechou aos 45.

Placar final: Brasil três e Uruguai um, e 1950 ficou no tempo.

A curiosidade da data foi o nascimento do sobrinho Neto do Giba, às 19:45, momento do gol de Clodoaldo, que se redimia do erro de passe que originou o gol do Uruguai. Florisvaldo, o tio do Giba, em homenagem ao nosso Corró, colocou no menino o nome de Clodoaldo.

Saímos para comemorar a vitória e o nascimento do Clodoaldo.

Estamos na grande final na cidade do México e agora teríamos que iniciar os preparativos para a festa da conquista do tri, o que não tínhamos dúvida, tal a confiança que adquirimos no time nacional.

Copa de 70
Formação da Seleção no jogo final contra a Itália

A final.

Brasil x Itália.

21 de junho de 1970

Tínhamos quatro dias para preparar a festa da vitória. Fiquei encarregado de fazer os balões e todos deveriam ser verdes e amarelos.

Durante a noite, eu cortava as folhas de papel de seda e as deixava agrupadas em montes para cada balão. Como eu trabalhava no período da manhã combinei com os garotos vizinhos, o Revaiu e o Deley que eram filhos do Pai Nininho entidade máxima do Candomblé lá no Morro, para eles irem montando os gomos logo pela manhã, pois eles estudavam no período da tarde e enquanto eles estavam na escola eu fechava os gomos montando cada balão.

Com esta linha de produção, fizemos mais de 20 balões entre os modelos caixa, almofada e nosso preferido, o pião de cinco gomos. Todos seriam soltos no domingo desde a primeira hora e o maior deles, uma caixa de 40 folhas, ficaria para logo após o jogo e nossa vitória.

A festa seria na minha casa com direito a pipoca, bolo de fubá, quentão, em fim, uma verdadeira festa junina.

No domingo, logo pela manhã, soltamos os primeiros balões e todos subiram e navegaram o céu que estava lindo num tom anil salpicado pelos balões verde-amarelos que lá já disputam o espaço. Um verdadeiro congestionamento de balões de São João.

Santos apostos sob o olhar atento de Nossa Senhora da Aparecida e iluminados pelas velas da Dona Nair. Mesa da cozinha repleta de comidinhas juninas e apenas um balão para ser solto. A caixa de 40 folhas.

Todos nós amontoados na sala, Seu Antônio, agora italiano desde pequeno, Dona Nair com sua conhecida ansiedade, minha irmã Ana, que passou a ter interesse pela Copa apenas na final, eu, meu amigo Giba e o fiel escudeiro Thor.

Não estava em jogo apenas o título daquela copa, mas também quem seria o dono definitivo da Taça, pois ambos os times eram bicampeões e quem conquistasse o tri ficaria com ela em definitivo.

Bola rolando num início de jogo cauteloso e bem estudado, com os italianos marcando Jairzinho com dois zagueiros e dando espaço para Tostão e Rivelino. O Brasil dominava o jogo com uma posse de bola muito superior aos italianos, porém estes estavam mais perigosos em seus contra-ataques, obrigando Felix a fazer uma incrível defesa aos 2 minutos de jogo.

Aos 17 minutos, Pelé sobe muito acima de seu gigante marcador Facchetti e de cabeça marca o primeiro do Brasil na partida e o centésimo gol brasileiro em copas do mundo.

Copa de 70
Pelé comemora o gol contra a Itália

A partir deste momento, nosso time exagera no toque de bola lateral e a Itália continua contra-atacando e levando maior perigo ao gol de Felix do que nós ao gol defendido por Albertosi.

Numa displicência de Clodoaldo, que tenta dar um passe de calcanhar, a Itália retoma a bola e arma seu veloz contra-ataque e assim Bobinem-na empata a partida e gera um clima de insegurança na sala de nossa casa. Meu pai logo vai falando… “Está vendo. Este é só o primeiro. A Itália vai marcar uns quatro neste timinho do Zagalo.”.

No segundo tempo só deu Brasil, superior técnica e taticamente e muito superior fisicamente. Nosso time passeou em campo e apresentou o que seria o melhor futebol da copa. Um time compacto onde atacantes e meias voltavam para ajudar Clodoaldo na marcação. Laterais que apoiavam de forma revezada. Obediência tática dentro de campo, comandada e apontada pelo maestro Gerson. Final Brasil quatro e Itália um, com gols de Gerson, Jairzinho e por fim um golaço de Carlos Alberto, o Capitão.

Fim de jogo. Fim de papo. Brasil tricampeão e dono definitivo da taça.

Curiosidade do jogo foi o lance em que Pelé recebe cruzamento dentro da área pequena. Mata no peito como só ele sabia fazer. Olha para o goleiro e, ao preparar o chute final que daria o segundo gol para o Brasil aos 45 minutos do primeiro tempo, nosso amigo juiz apita o final de jogo.

Corremos para o quintal para estourar a centena de fogos do tipo Caramuru que havíamos comprado do Seu João Turco. Preparamos a tocha do balão caixa e, quando o mesmo já estava enchendo, eis que Seu Eduardo, quem estava segurando o bico lá sobre a torre da caixa d’água, completamente embriagado, despenca com garrafa e tudo sobre o balão, que acaba por incendiar e ser destruído. Nada aconteceu com o Balão do Seu Eduardo, pois anjo da guarda de bêbado é super-herói.

Saímos para a rua e descemos o morro carregando os instrumentos da Escola de Samba do Falcão do Morro e, por onde passávamos, nosso cordão ia crescendo. Paramos no fim da Rua Tomazzo Ferrara, bem na frente da loja do Nagib e ali todos que em Itaquera estavam nas ruas se encontraram e o carnaval foi instalado em plena festa junina. Muito talco jogado das janelas do prédio da família Salim, muita cerveja, pinga e refrigerante. A festa foi até de madrugada, quando as forças já se esgotavam e já não tínhamos vós para gritar.

Na segunda-feira, não consegui ir para o trabalho de tanta ressaca. Meu amigo Giba e todos os trabalhadores tocaram sua vida. Os militares continuaram torturando e matando e aqui na terra nós continuamos jogando futebol……..

O tempo passou e os militares saíram do poder.

A taça que ganhamos em definitivo foi roubada e derretida.

Conquistamos mais duas copas do mundo e realizamos uma aqui no Brasil. O jogo de abertura foi no Itaquerão, construído no local onde ficava a Pontinha Preta, um pequeno lago onde Giba e eu juntos aprendemos a nadar.

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